O governo britânico, liderado por Keir Starmer, revelou um ambicioso plano para instituir a “BritCard”, uma identidade digital obrigatória para todos cidadãos e residentes com permissão legal de estadia — cujo uso será necessário para comprovar direito de trabalho até 2029. A proposta já gera polêmica entre especialistas por temas como privacidade, vulnerabilidade a ataques cibernéticos e impacto social.
Introdução e contexto
Em 26 de setembro de 2025, o governo do Reino Unido anunciou oficialmente a intenção de instituir um documento de identidade digital — sem versão física — para cidadãos e residentes legais do país.
A proposta está inserida em um contexto intenso de debates sobre imigração, segurança de fronteiras e modernização da máquina pública. Starmer afirmou que, sem esse mecanismo, pessoas que não têm autorização de trabalho no Reino Unido continuarão encontrando meios de labutar no mercado informal, alimentando fluxos migratórios ilegais.
O anúncio reacende uma discussão antiga no país: por décadas, o Reino Unido resistiu à adoção de um documento nacional de identidade — optando por passaporte, carteira de motorista ou outros instrumentos para identificação.
Como será a identidade digital (BritCard)
Segundo o governo britânico, o documento será armazenado em **aplicativo no smartphone**, atuando como carteira digital, similar a outros sistemas já existentes (por exemplo, o app do NHS).
Não será exigido que o titular o carregue fisicamente ou o apresente em todas as ocasiões — mas será **obrigatório para comprovar o “Right to Work”** (direito de trabalhar) no momento da contratação.
Os dados armazenados incluem nome, data de nascimento, nacionalidade ou status de residência e foto para garantir biometria. A consulta pública está prevista para definir se endereços e outras informações serão incluídos.
O governo garante que será gratuito para os usuários e que haverá alternativas para aqueles sem smartphone ou com dificuldades de uso digital.
É prevista ainda uma fase de consulta permanente sobre padrões de segurança, privacidade, design inclusivo e regulamentação do sistema.
Motivações oficiais e discurso político
Para o governo Starmer, a medida tem três pilares centrais:
- Combate ao trabalho ilegal: impossibilitar que pessoas sem autorização formal consigam emprego legalmente, reduzindo o apelo econômico da migração irregular.
- Eficiência burocrática: facilitar o acesso a serviços públicos (como benefícios sociais, saúde, educação e impostos) com menos documentos e menos duplicidade de verificações.
- Modernização institucional: colocar o Reino Unido em linha com países que já adotam identidades digitais, mostrando capacidade tecnológica e controle estatal.
Em seu anúncio, Starmer disse: “Você não poderá trabalhar no Reino Unido se não tiver uma identidade digital. É simples assim.”
A medida surge também como resposta à crescente insatisfação pública com a imigração irregular, especialmente das travessias de pequenas embarcações pelo Canal da Mancha — tema que pressionou seus antecessores e permanece no centro do debate político britânico.
Resistências, críticas e riscos
O projeto já enfrenta forte oposição — política, acadêmica e social. Entre os pontos de crítica:
- Privacidade e vigilância: centralizar dados sensíveis em uma base digital estatal suscita temores de monitoramento excessivo, uso indevido e controle social.
- Vulnerabilidade a ataques cibernéticos: especialistas alertam que um sistema tão abrangente tornará um alvo atraente para hackers, podendo comprometer dados pessoais massivos.
- Exclusão digital: parcela da população pode ser penalizada por não ter smartphone ou habilidades digitais; alternativas e suporte serão necessários.
- Desconfiança pública: pesquisas indicam que, embora muitos britânicos apoiem alguma forma de identidade nacional, um documento digital obrigatório sofre rejeição maior por receios de segurança de dados.
- Pressão política interna: ministros e membros do Partido Trabalhista já manifestaram dúvidas sobre custos, viabilidade e implicações políticas do plano.
- Riscos institucionais e legais: projetos anteriores de identidade no Reino Unido foram revertidos — o Identity Cards Act de 2006 foi revogado em 2011
Outra crítica vem de grupos que apontam incompatibilidade com acordos como o Good Friday Agreement, especialmente para residentes da Irlanda do Norte e aquelas fronteiras envolvidas na Common Travel Area (Zona Comum de Viagens).
Uma petição contra o projeto já acumula mais de 2,6 milhões de assinaturas, exigindo que o Parlamento debate a medida antes de avançar.
Comparações internacionais e lições
O Reino Unido não será pioneiro no conceito de identidades digitais, mas segue um modelo mais coercitivo do que em muitos países europeus.
Na Estônia, por exemplo, o e-ID foi adotado há quase 20 anos e permite votar, assinar documentos e acessar serviços com elevado grau de confiança digital.
Na União Europeia, o regulamento eIDAS 2.0 exige que os estados-membros ofereçam carteiras digitais até 2026, permitindo interoperabilidade entre países.
Esses modelos demonstram que o sucesso depende de dois pilares: transparência nas regras e segurança tecnológica robusta. Caso contrário, rejeição social e falhas técnicas minam a credibilidade.
Impactos geopolíticos e estratégicos
No âmbito geopolítico, a medida britânica reflete uma tendência global de fortalecimento do controle identitário, combinando segurança com governança digital — algo cada vez mais presente em políticas migratórias modernas.
O Reino Unido, ao posicionar-se como pioneiro em identidade digital obrigatória (no contexto de países não-membros da UE), busca demonstrar domínio tecnológico e controle migratório rigoroso.
Se bem-sucedido, pode inspirar outros países com desafios migratórios — mas também servir de alerta sobre riscos de abuso estatal, vulnerabilidades cibernéticas e reação popular.
Caminho até 2029: cronograma e possíveis cenários
A expectativa oficial é que a implementação seja concluída até o fim da legislatura (em 2029), quando o uso do BritCard será mandatório para acesso ao mercado formal de trabalho.
Etapas previstas:
- Fase de consulta pública e refinamento tecnológico
- Desenvolvimento da arquitetura de segurança e infraestrutura de dados
- Pilotos regionais e testes de usabilidade em populações vulneráveis
- Campanha de adesão e apoio técnico para populações com baixo letramento digital
- Fiscalização obrigatória do documento nas contratações formais
Em um cenário favorável, o sistema pode reduzir a participação do trabalho informal e tornar mais eficaz o combate à imigração irregular.
Mas, em cenário desfavorável, poderemos ver judicializações, rejeição política, protestos civis e riscos graves de segurança de dados — especialmente se um evento de hacking de larga escala expuser vulnerabilidades.
Conclusão
O projeto de identidade digital obrigatório britânico é uma iniciativa audaciosa e polêmica, que toca em fios sensíveis da liberdade, segurança e soberania digital em nosso tempo.
Se for implantado com competência e responsabilidade — com transparência, controle tecnológico rigoroso e participação cidadã — poderá ser visto como avanço institucional. Mas se ignorar riscos e resistência social, pode tornar-se símbolo de vigilância e controle.
Para os amantes da geopolítica, esse será um caso a observar de perto nos próximos anos: como o Estado moderna suas capacidades de monitoramento e regulação no século XXI sem sacrificar direitos fundamentais.
“O sábio vê o mal e oculta-se; porém os simples passam adiante e sofrem a pena.” — Provérbios 22:3
Que sejamos sábios para reconhecer os riscos e refletir criticamente sobre como as tecnologias moldam nossa liberdade.
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